Você não é a favor da vida, você odeia mulheres

Letícia
3 min readDec 2, 2016

O debate em torno da legalização/descriminalização do aborto resurgiu nessa semana por causa de uma decisão do STF, e com ele resurgiu os mesmos argumentos “pró-vida” que eu tenho ouvido desde que comecei a ler e pesquisar mais sobre as pautas feministas em 2012/2013.

Tweets do pessoal “pró-vida”

De um lado, temos um grupo que diz ser “pró-vida”, utilizando argumentos religiosos e/ou punitivos para vender a ideia de que legalizar uma escolha feminina seria uma espécie de “crime” comparável com matar um ser humano, e que a solução seria apenas “fechar as pernas” ou “usar camisinha”. De outro, temos um grupo que realmente pesquisa, traz argumentos concretos com dados sobre aborto e falhas de métodos contraceptivos, desmistificando todas as frases de senso-comum que ouvimos por ai.

Entretanto, o primeiro grupo ainda é o maior e mais presente na sociedade brasileira, afinal é por causa dele que nós mulheres ainda não temos direitos reprodutivos garantidos, é por causa dele que continuamos morrendo todos os dias em clínicas clandestinas.

Mas, o que o primeiro grupo não fala, é que por trás de todo o discurso bonito de amor, vida e religião (e as fotos creepys de bebês mortos), que continua igual em todas as discussões, existe apenas uma coisa: o ódio às mulheres e a nossa biologia. E, é por isso que esse discurso é tão aceito.

O ódio contra mulheres e o nosso corpo é tão aceito e institucionalizado na sociedade, que muitas vezes nós nem percebemos que se trata disso, e muitas vezes nós mesmas reproduzimos esse ódio (afinal é difícil mesmo amar uma parte da gente que a sociedade tende a dizer que é nojenta e errada). Mas ele está ali, desde o primeiro dia em que um menino da escola fez você sentir vergonha de levar absorvente na mochila, ele está ali quando o seu colega de trabalho deslegitima a sua opinião dizendo que você está na TPM, ou “naqueles dias” (porque deus me livre usar a palavra sangue ou menstruação), ele está ali quando homens héteros se recusam a fazer sexo oral nas parceiras porque sentem nojo de vaginas, quando médicos não nos respeitam na hora do parto praticando todo tipo de violência obstétrica, e principalmente quando somos vistas apenas como incubadoras de fetos, e não seres humanos que devem ter o direito de escolher o que fazer com seu corpo.

Eu sou uma mulher, não um útero

No fim do dia quando as pessoas que se declaram “pró-vida” deixam de usar argumentos religiosos ou moralistas, não existe lógica que explique considerar a “vida” de um amontoado de células mais importante do que a vida de uma mulher, o que existe é um ódio contra mulheres. Até porque se aborto fosse uma questão que afetasse os homens, ele com certeza não seria mais um “problema” a ser discutido.

Mas ele afeta mulheres, e a sociedade odeia mulheres, principalmente se forem negras e pobres. Você pode chamar de “religião”, você pode chamar de “opinião” (que realmente seria apenas uma opinião se você não quisesse que a SUA valesse para todos), você pode chamar do que quiser, mas uma coisa é verdade: você não é a favor da vida, você odeia mulheres.

ps.: Já aviso que responderei apenas comentários de mulheres, pois o debate do aborto não diz respeito a homens e eu não considero a opinião de um de vocês.

Uma imagem para representar o que eu não quero que vire a sessão de comentários

--

--

Letícia

26 anos / Mestranda em Comunicação na Universidade de Coimbra / Feminista radical