Você já percebeu que quase todo furacão tem nome de mulher?

Letícia
2 min readApr 20, 2023

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Acordo de repente com um susto. O horário no celular mostra que ainda faltam duas horas para o despertador tocar, isso é estranho. Com certeza tem algo de diferente acontecendo. A imagem de um furacão surge na minha cabeça, primeiro como sonho, e depois como realidade que vai aos poucos se materializando.

Ventos fortes passam destruindo tudo que está à sua volta, uma chuva incessante e torrencial cai do céu cinzento. Vejo casas destruídas, carros capotados, vacas em cima de árvores, e todos os estereótipos hollywoodianos que você provavelmente já conhece. Tentar dormir ou acordar de novo não funciona.

É um daqueles momentos que chegam sem aviso e mudam tudo de lugar.

O vento fica mais forte, me implora para ser notado, tornando-se cada vez mais difícil de ignorar. Grita passando pelas frestas das janelas que ainda não foram quebradas, faz tudo ser sobre ele. Não posso nomeá-lo, eu penso, e mesmo que pudesse, os meteorologistas em um pacto masculinista já decidiram que sempre vão dar nomes femininos aos fenômenos destrutivos da natureza.

Lembro de todas as vezes que esse desastre aconteceu nos últimos quatro anos, como eles serviram para me tornar mais forte, e ainda que eu me culpe por viver em um local de risco desisti de tentar fazer alguma coisa para mudar.

Poderia aproveitar esse momento para gritar nas ruas, falando tudo que estava entalado e não podia ser dito entre cervejas e piadas com os amigos para manter a paz social da cidade. Mas, deixei essa tarefa para quem entende do assunto, minhas habilidades sempre foram outras.

Rabisco uma folha de papel de qualquer jeito, sem me importar com o formato das letras e as aulas de caligrafia. Decido me render ao processo com uma caneta preta que estava estrategicamente posicionada do lado da cama e um caderno que aguardava ansiosamente para ser aberto.

Tudo que não foi propriamente digerido nos últimos sete dias precisava encontrar essas páginas em um ritual cultivado entre quatro paredes de forma solitária.

As linhas são preenchidas aos poucos, tornam-se parágrafos e formam textos completos, quantos forem necessários, até que o vento lá fora pare de me incomodar.

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Letícia

26 anos / Mestranda em Comunicação na Universidade de Coimbra / Feminista radical