Sobre o texto do cara que se relacionou com uma vítima de estupro

Letícia
3 min readSep 25, 2016

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Tirinha feita pela página Motoca

Esse texto que está rolando na internet nos últimos dois dias tem gerado várias respostas, comentários e diversas reações. Tem quem ache que foi um texto incrível falando de algo super importante, tem aqueles e aquelas que como eu acharam uma fanfic ridícula escrita por um esquerdomacho que acha que a sua rola especial salva as coitadinhas vítimas de estupro (falo mesmo). Mas, independente da sua opinião uma coisa é certa: o texto teve grande repercussão. Até o momento, ele já contabiliza 2.100 likes e 142 comentários no Medium, além de vários compartilhamentos no facebook. E aqui entra a minha reflexão: por que estamos ouvindo homens falarem sobre a cultura do estupro, e não mulheres?

Deixando de lado todas as minhas críticas em relação ao texto em si — acredite são muitas — eu gostaria de fazer uma pergunta muito mais interessante a todos os homens héteros que dizem apoiar o feminismo: por que vocês não estão ouvindo as mulheres?

Tudo bem, pode ser só a minha impressão, talvez vocês estejam realmente ouvindo o que a gente fala e anotando tudo num caderninho secreto, mas, estranhamente algo me diz que esse não é o caso. Cada dia mais eu tenho a sensação de que nós mulheres só conseguimos dialogar entre si, ou no máximo com homens gbt, quando se trata de feminismo. Cada dia mais continua aquela sensação de que, apesar de vocês dizerem que se importam e que querem lutar ao nosso lado contra a cultura do estupro, vocês não estão fazendo a coisa mais básica de todas: ouvir as vítimas dessa cultura.

Uma coisa que eu andei percebendo, e comentando com as pessoas que eu convivo, é que sempre que eu compartilho posts feministas — e quem me segue sabe que isso acontece com frequencia — no meu perfil do facebook, tem no máximo um homem hétero que dá like. E isso não acontece só comigo: várias amigas feministas que compartilham/escrevem conteúdo online dizem que acontece a mesma coisa. E isso que eu só to falando de ler e no máximo apertar “curtir” no facebook, veja eu não estou nem falando do fato dos caras não irem em palestras ou reuniões de coletivos mistos para realmente aprender mais sobre gênero (o que a gente sabe que também acontece).

Eu me pergunto se isso acontece por causa da nossa linguagem, que os caras muitas vezes consideram “radical de mais” ou se é só pelo simples fato de que eles só conseguem levar algo a sério se for falado por outro homem, e eu realmente não sei, talvez seja uma mistura dos dois. O fato é que: não cabe a eles dizerem que a nossa forma de se expressar é muito radical, não cabe a eles esperarem que a gente se adapte a uma linguagem extremamente didática para conseguir atenção: estamos nos expressando, estamos falando, estamos produzindo conteúdo e se eles realmente querem estar do nosso lado, tem que aprender a ouvir. Não é trabalho da vítima se adaptar ao que o opressor espera da gente.

Para as minhas amigas feministas concluo o texto com a seguinte reflexão: todas nós conhecemos vários caras do nosso círculo social que se dizem ser a favor da equidade de gênero, mas na realidade, quantos deles realmente ouvem o que falamos? Quantos deles consomem o que produzimos? Quantos deles estão abertos a aprender de verdade e não apenas a dizer que nos apoiam para ganhar pontos e serem considerados “caras legais”?.

Para os homens, deixo apenas uma pergunta: vocês acham que se o texto que eu falei la no início tivesse sido escrito do ponto de vista de uma mulher vítima de estupro, ele teria tido tanta repercussão? Se a sua resposta for “não”, então o que você está fazendo para mudar isso?

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Letícia

26 anos / Mestranda em Comunicação na Universidade de Coimbra / Feminista radical