Sobre as coisas ruins que fazem com a gente

Letícia
2 min readMar 3, 2023

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Os caras que faziam bullying comigo na quarta-série não lembram da minha existência, mas eu tive que falar sobre eles na terapia.

Eu estou passando por um momento chato chamado “dar início ao processo terapêutico com uma nova profissional” onde precisei responder diversas perguntas sobre a minha vida contando histórias que começam lá na infância e chegam até os dias atuais (uhull sempre divertido reviver seus traumas!).

Naturalmente isso me fez pensar sobre pessoas que já me machucaram e todas as repercussões que vieram com cada acontecimento. Sentimentos novos, lições aprendidas, coisas que eu nunca vou esquecer e outras que já não são importantes, coisas que eu faria diferente e outras que eu faria igual, enfim toda uma série de emoções que fazem parte das dores e das delícias de ser humana.

Então eu parei para pensar no sentimento de superação, e no que isso significa dentro da nossa cultura capitalista. A gente cresce assistindo filmes e séries de Hollywood que mostram os excluídos dando a volta por cima e se vingando daqueles que foram escrotos com eles. É a história clássica né: sofreu bullying na escola? Tudo bem, basta crescer ficar famosa e/ou muito rica e se vingar sendo “superior”, mostrando que aquilo não te afetou e no fundo no fundo você sempre foi melhor que todo mundo.

Eu acho que todo mundo que assistia esses produtos midiáticos tentava forçar uma narrativa de identificação tipo “uau eu sou exatamente assim como essa protagonista” mesmo que nunca tenha chegado perto de ter uma avó que é a rainha da Genóvia, de desenvolver poderes mágicos ou de fazer sucesso cantando no coral da escola.

Assim vamos aprendendo aos poucos que atingir uma espécie de sucesso seria a melhor “vingança” contra quem te fez mal na escola ou na faculdade, da mesma forma que a melhor vingança contra um ex babaca seria um novo namorado muito mais bonito que ele. Mas, na vida real é exaustivo sempre ter que achar que superou tudo, se mostrar maior e melhor em todas as áreas da vida e fingir que as merdas que fazem com a gente não moldam a nossa forma de ver o mundo.

Identificar como traumas antigos ainda te afetam não significa “perder” uma batalha, e admitir isso também é muito melhor do que fingir que as consequências não vão surgir infelizmente em outros relacionamentos em maior ou menor grau.

Não é justo obviamente, mas o bom é que é possível aprender a viver com a raiva e o ressentimento, além de entender que o que fizeram com a gente é só uma parte da nossa história e que é possível crescer a partir daquilo.

Tenho certeza que quem fazia bullying comigo na escola não fala disso nas suas terapias, mas eu gosto de imaginar que eles tenham seus próprios traumas e assuntos como qualquer ser humano.

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Letícia

26 anos / Mestranda em Comunicação na Universidade de Coimbra / Feminista radical