As consequências de não saber o que poderia ter acontecido

Letícia
2 min readDec 19, 2023

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É segunda à noite, eu devia estar estudando, mas enquanto os textos que a minha orientadora do mestrado mandou estão parados em uma pasta do meu e-mail meus dedos mexem para a direita e para a esquerda na tela de um celular aberto em um aplicativo de relacionamento.

Julgo as aparências, os nomes, a escolha de fotos (homens aprendam a tirar fotos por favor!). Esse hábito torna todo mundo um pouquinho horrível, eu sei. Estamos ali para julgar e ser julgados, eu aceitei os termos e condições. Esses dias descreveram como um cardápio humano e eu concordo, mas também é a forma mais rápida e fácil de encontrar pessoas principalmente quando você tem pouco tempo em um lugar — como é constantemente meu caso — então guardo as críticas sociais para outro momento, e por hoje agradeço que os homens de Curitiba tem um senso estético melhor do que os de Joinville.

Nunca gostei muito de usar esse negócio, sempre deixo as pessoas no vácuo, e nas poucas vezes que eu respondo já marco logo um date ou puxo papo pelo Instagram para eventualmente marcar o encontro, assim não perco o timing. Isso funciona bem quando eu viajo sozinha, inclusive esse é meu momento de brilhar e as consequências são diversas, foi assim que eu fui parar na chapada dos veadeiros em 2022 pagando uma passagem caríssima de avião em cima da hora, tudo em nome do amor e do fogo no rabo (hoje em dia ele está bloqueado).

Foi assim também que eu acabei conhecendo uma casa de shows alternativa em Madri onde tocava uma banda espanhola completamente aleatória, então não vou reclamar.

As estatísticas me dizem que o aplicativo tem funcionado bem nesses cinco anos de solteirice, mas a sua definição de bem pode ser diferente da minha, de qualquer forma eu sei que entro lá quando estou com tédio ou querendo procrastinar. E, principalmente quando chego no fim do ano ainda aberta a viver experiências novas, algo raro porque até ano passado eu me sentia completamente exausta em dezembro (então acho que estamos progredindo?).

Hoje especificamente tinha a expectativa de encontrar um rosto conhecido, mas sei que isso não vai acontecer. Esse é o problema com as expectativas, elas são sempre filhas da puta, e quando você não viveu um relacionamento de fato com a pessoa e tudo ficou na sua cabeça é fácil se apegar a memórias e ideias do que poderia ter acontecido se ela não tivesse sumido sem aviso.

Claro, não é sobre o outro, é sobre você, ou sobre estar com tédio, evitando seus compromissos e querendo se apegar a uma história. Eu preciso me lembrar disso sempre que me pego stalkeando uma dessas pessoas. No fim é muito mais fácil, e menos desgastante, superar algo que realmente aconteceu do que uma fantasia aleatória.

Fecho o aplicativo, pelo menos o único risco que eu corro hoje é falar com alguém aleatório e quem sabe ter mais histórias para contar. Ele definitivamente não está lá, e se estivesse não seria mais ele, algumas coisas funcionam melhor só na nossa memória.

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Letícia

26 anos / Mestranda em Comunicação na Universidade de Coimbra / Feminista radical